Portal de Eventos CoPICT - UFSCar, XXVII CIC e XII CIDTI

Tamanho da fonte: 
Egressos do sistema prisional no mundo do trabalho
Ana Júlia Nociti Lopes Fernandes, ROSEMEIRE APARECIDA SCOPINHO

Última alteração: 2021-02-25

Resumo


INTRODUÇÃO

O sistema prisional brasileiro expandiu-se após 1990, e é o terceiro que mais encarcera no mundo. Nesse contexto, Foucault, Wacquant e Garland trazem reflexões, ainda atuais, sobre a prisão enquanto instrumento de poder e essencial para a manutenção do liberalismo, ao criminalizar a pobreza e produzir mão de obra mais barata. Egressos prisionais são marcados pelo estigma de egressos, afetando a identidade do Eu. Esse processo dificulta a reentrada no mercado de trabalho, algo essencial para a reinserção social desses sujeitos e constituição da subjetividade.

 

OBJETIVO

O objetivo principal do trabalho foi identificar como a dificuldade de reinserção no mercado de trabalho afeta a subjetividade dos egressos do sistema prisional.

 

METODOLOGIA

Realizamos 9 entrevistas semiestruturadas com egressos prisionais que frequentavam uma ONG de amparo a presos, egressos e familiares, e buscavam emprego ou realizavam trabalhos esporádicos,  e 1 com uma das trabalhadoras e co-fundadora da ONG, além de revisão bibliográfica, revisão da legislação e observação de campo. A triangulação de informações foi feita a partir da Análise Temática de Minayo.

 

RESULTADOS

A revisão bibliográfica resultou em 12 artigos, publicados nos últimos 20 anos. Metade era da área da psicologia e apenas 3 estudavam a questão do trabalho. 11 reconheciam a relação entre população carcerária e economia. Todos afirmavam a falha do princípio ressocializador prisional, demonstrando que essa problemática é antiga, porém atual.

As legislações brasileira e de São Paulo apresentam algumas políticas de ressocialização do egresso e trabalho dentro da prisão, mas, como as entrevistas demonstraram, elas não atingem integralmente os sujeitos, além de terem lacunas.

A ONG tem forte ligação com a Igreja Católica, que visa auxiliar egressos e suas famílias. Ela oferece cursos para esses sujeitos em parceria com órgãos municipais, todos direcionados para trabalhos que oferecem baixa remuneração, além de serem, frequentemente, precários. Foi possível notar que ela supria algumas das deficiências da legislação, de forma assistencialista.

Dos entrevistados, 77,78% eram homens negros, todos começaram a trabalhar antes dos 18 anos, apenas um com trabalho formal, devido à necessidade de maior fonte de renda. Os motivos da prisão também envolviam questões financeiras em todos os casos justificados (44,45%). 7 sujeitos realizaram trabalhos precários dentro da prisão, pela possibilidade de distração e de alguma forma de renda, e depois da soltura nenhum deles conseguiu trabalho formal. A dificuldade para conseguir emprego aumentou após a soltura, trazendo sentimentos de inutilidade.

 

CONCLUSÕES

Ainda é pequena a quantidade de artigos com a temática desta pesquisa e apesar das tentativas de sanar as brechas deixadas pela legislação, a sociedade civil também reproduz precarização. É possível perceber sujeitos fragilizados familiar, econômica e emocionalmente, devido à dificuldade de reinserção no mercado de trabalho. O trabalho é visto como uma segunda chance da sociedade e um meio de evitar a reincidência, mas aparece em formas degradantes. A psicologia crítica pode contribuir com a problemática na promoção de políticas de ressocialização por meio do trabalho que tenham o sujeito como foco, e de formas de trabalho que sejam emancipadoras.

 

 

 


Palavras-chave


sistema prisional; trabalho e subjetividade; Psicologia Social do Trabalho

Referências


AMARAL, T. V. F.; BARROS, V. A. de; NOGUEIRA, M. L. M. Fronteiras Trabalho e Pena:

das Casas de Correção às PPPs Prisionais. Psicologia Ciência e Profissão, v. 36, n. 1, p. 63-

75, 2016.

ANTUNES, R. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do

mundo do trabalho. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000. 200 p

BARRETO, M. L. da S. Depois das grades: um reflexo da cultura prisional em indivíduos

libertos. Psicologia Ciência e Profissão, v. 26, n. 4, p. 582-593, 2006.

BELEI, R. A. et al. O Uso de Entrevista, Observação e Videogravação em Pesquisa

Qualitativa. Cadernos da Educação, v. 30, n. 1, p. 187-199, 2008.

BENDASSOLLI, P. F.; COELHO-LIMA, F. Psicologia e Trabalho informal: a perspectiva

dos processos de significação. Psicologia & Sociedade, v. 27, n. 2, p. 383-393, 2014.

BORDIN, N.; BORDIN, I. C. B. O Perfil do egresso prisional. Revista Ciências Sociais em

Perspectiva, v. 6, n. 11, p. 27-38, 2007.

BRASIL. Decreto no 9450, de 24 de julho de 2018. Institui a Política Nacional de Trabalho

(PNAT) no âmbito do Sistema Prisional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed.

142, p. 1, 2018.

BRASIL. Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário

Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 10227, 1984.

BRITO, G. M. A política militar e o denominado “crime organizado” na gestão da

periferia urbana: notas acerca das experiências juvenis. Natal: Programa de Pós-Graduação

em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2018. 211 p.

CARVALHO, S.G, SANTOS, A.B.S, SANTOS, I.M. The pandemic in prison: Interventions

and overisolation. Cien Saude Colet [periódico na internet], 2020.

CONSTANTINO, P.; ASSIS, S. G.; PINTO, L. W. O. O impacto da prisão na saúde mental

dos presos do estado do Rio de Janeiro. Ciênc. Saúde Coletiva, v. 21, n. 7, p. 2089-2100,

2016.

DANIN, R. A. Loic Wacquant: Encarceramento em Massa como Política Social na

Contemporaneidade. Revista Sem Aspas, v. 6, n. 2, p. 125-133, 2017.

DESVIAT, M. Coabitar a diferença: da reforma psiquiátrica à saúde mental coletiva. 1 ed.

[S.L.]: Zagodoni, 2018. 248 p.

DOURADO, J. L. G., ALVES, R. S. F. Panorama da saúde do homem preso: dificuldades de

acesso ao atendimento de saúde. Boletim Academia Paulista de Psicologia, v. 39, n. 96, p.

47-57, 2018.

DUARTE, R. Entrevistas em pesquisas qualitativas. Educ. rev., n. 24, p. 213-225, 2004.

FANDINO MARINO, J. M. Análise comparativa dos efeitos da base socioeconômica, dos

tipos de crime e das condições de prisão da reincidência criminal. Sociologias, n. 8, p. 220-

244, 2002.

FELTRAN, G. O valor dos pobres: a aposta no dinheiro como mediação para o conflito social

contemporâneo, Salvador: Cadernos CRH, v.27, n. 72, p. 495-512. 2014.

FERREIRA, A. R. Crime-prisão-crime: o círculo vicioso da pobreza e a reincidência no

crime. Juiz de Fora: UFJF, 2010. 200 p.

FERREIRA, L. C. et al. Consequências psicossociais do desemprego: as determinações

socioeconômicas e as percepções das alterações nas subjetividades dos trabalhadores após a

perda do emprego. 2009.

FIGUEIRO, R. A.; DIMENSTEIN, M. Castigo, gestão do risco e da miséria: Novos discursos

da prisão na contemporaneidade. Est. Psicol., v. 21, n. 2, p. 192-203, 2016.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: Nascimento da Prisão. 42 ed. [S.L.]: Editora Vozes, 2014.

296 p.

GARLAND, D. A Cultura do Controle: Crime e ordem social na sociedade contemporânea.

1a ed. [S.L.]: Editora Revan, 2008. 440 p.

GOFFMAN, E. Estigma: Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. 4 ed. [S.L.]:

LTC, 1981. 160 p.

GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. 9 ed. [S.L.]: Perspectiva, 2018. 320 p.

LANCMAN, S.; UCHIDA, S. Trabalho e subjetividade: o olhar da psicodinâmica do

trabalho. Cad. psicol. soc. trab., v. 6, p. 79-90, 2003.

MAMELUQUE, M. G. C. A subjetividade do encarcerado, um desafio para a psicologia.

Psicol. Ciênc. Prof., v. 26, n. 4, p. 620-631, 2006.

MASSOLA, G. M. A subcultura prisional e os limites da ação da APAC sobre as

políticas penais públicas: um estudo na Cadeia Pública de Bragança Paulista. São Paulo:

Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2005. 388 p.

MELO, F. A. L. de. Estratégias de Atendimento ao Egresso Prisional e ao Familiar de

Preso no Estado de São Paulo: Análise de Experiências e Proposta de Mobilização. 2008.

MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. Hucitec,

14a ed., 2014. 416 p.

MONTEIRO, F. M.; CARDOSO, G. R. A seletividade do sistema prisional brasileiro e o

perfil da população carcerária: Um debate oportuno. Civitas, Rev. Ciênc. Soc., v. 13, n. 1,

p. 93-117, 2013.

MORRONE, C. F.; MENDES, A. M. A Ressignificação do Sofrimento Psíquico no Trabalho

Informal. Revista Psicologia: Organização e Trabalho, v. 3, n. 2, p. 91-118, 2003.

PIRES, F. M.; PALASSI, M. P. Frente de trabalho da iniciativa privada no sistema carcerário

do estado do Espírito Santo. Cad. EBAPE-BR, v. 6, n 3, p. 01-16, 2008.

RAUTER, C. Criminologia e subjetividade no brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003. 128 p.

RESENDE, J. M.; CORREA, M. A. P. C. A Quebra do Pacto Social: A Penalização e seus

Efeitos na Inclusão de Egresso do Sistema Prisional no Mercado Formal de Trabalho.

Revista da Faculdade Mineira de Direito, v. 16, n. 31, p. 54-68, 2013.

REY, G. Pesquisa Qualitativa em Psicologia: caminhos e desafios. São Paulo: Cengage

Learning, 2005. 188 p.

SALLA, F.; GAUTO, M.; ALVAREZ, M. C. A Contribuição de David Garland a Sociologia

da Punição. Tempo Social, v. 18, n. 1, p. 329-350, 2006.

SÁNCHEZ, A.; SIMAS, L.; DIUANA, V.; LAROUZE, B. COVID-19 nas prisões: um

desafio impossível para a saúde pública? Cad. Saúde Pública, v. 36, n. 5, p. 1-5. 2020.

SANTANA, M. A. & RAMALHO, J.R. Sociologia do trabalho no mundo contemporâneo.

Rio de Janeiro, Zahar, 2004. 63p.

SANTOS, A. S. dos; PERRONE, C. M. Produção da precariedade laboral: reflexões

preliminares sobre a criação de novas formas de subjetivação. Psicologia & Sociedade, v.

29, e164109, p. 1-9, 2017.

SANTOS, T. S.; SOUZA, S. B. Da Condição de "Ressocialização" dos Egressos do Sistema

Prisional. Revista Café com Sociologia, v. 2, n. 3, p. 23-36, 2013.

SÃO PAULO (Estado). Decreto no 55.126, de 7 de dezembro de 2009. Institui o Programa de Inserção de Egressos do Sistema Penitenciário no Mercado de Trabalho – PRÓ-EGRESSO

e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado de São Paulo: seção 1, São Paulo, SP,

v. 119, n. 228, p. 1, 2009.

SÃO PAULO (Estado). Lei no 8.209, de 4 de janeiro de 1993. Cria a Secretaria de Estado

da Administração Penitenciária e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado de São

Paulo: São Paulo, SP, 1993.

SENNETT, R. O artífice. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2013.

SEQUEIRA, V. C. Uma vida que não vale nada: prisão e abandono político-social. Psicol.

Ciênc. Prof., v. 26, n. 4, p. 660-671, 2006.

SERON, P. C. Nos difíceis caminhos da liberdade: estudo sobre o papel do trabalho na vida

de egressos do sistema prisional. São Paulo: Instituto de Psicologia, Universidade de São

Paulo, São Paulo, 2009. 202 p.

SILVA, C. L. O. SARAIVA, L. A. S. Alienation, segregation and resocialization: meanings

of prison labor. Rev. Adm., v. 51, n. 4, p. 366-376, 2016.

STUDART, L. M. C. A reinserção social dos egressos do sistema prisional brasileiro:

realidade ou utopia? Episteme Transversalis, v. 5, n. 1, 2017.

TAVARES, G. M.; MENANDRO, P. R. M. Atestado de exclusão com firma reconhecida: o

sofrimento do presidiário brasileiro. Psicol. Ciênc. Prof., v. 24, n. 2, p. 86-99, 2004.

TAVARES, G. M.; MENANDRO, P. R. M. Modos de vida de internos do sistema

penitenciário capixaba. Psicol. Soc., v. 20, n. 3, p. 340-349, 2008.

WACQUANT, L. As Prisões da Miséria. Jorge Zahar Editor, 1a ed., 2001. 174 p.

WACQUANT, L. O Lugar da Prisão na Nova Administração da Pobreza. Novos Estudos, v.

80, n. 1, p. 9-19, 2008.