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Do surgimento à extinção: a trajetória de um serviço de genética médica do interior do Estado de São Paulo, Brasil
Tatiane de Abreu, Érica Letícia Angelo Liberato, Heloisa Pastana Marsiglio, Thamires Rosa dos Santos, Natália Santander Ortensi, Calógeras Antônio de Albergaria Barbosa, Débora Gusmão Melo

Última alteração: 2021-02-25

Resumo


Introdução: As doenças genéticas são numerosas e diversas. Estima-se que existam entre 6.000 a 7.000 patologias genéticas diferentes, que, conjuntamente, atingem cerca de 31,5 a 73 por 1.000 indivíduos da população geral. Geralmente são crônicas, graves, progressivas, elevando os gastos com saúde e diminuindo a produtividade, além de causarem impacto pessoal e familiar. No Brasil, o número de profissionais de saúde envolvidos na assistência especializada em genética é considerado insuficiente e supõe-se que a maior parte dos pacientes e famílias não recebe cuidado adequado. No município de São Carlos, em 2006 foi organizado um serviço ambulatorial de genética médica, como um projeto de extensão universitária, englobado na rede saúde-escola. Este serviço funcionou regularmente até dezembro de 2018, momento em que os atendimentos foram descontinuados.

Objetivos: Este estudo objetivou descrever a trajetória do Ambulatório de Genética Médica de São Carlos, São Paulo, Brasil, e analisar retrospectivamente o trabalho conduzido durante os 12 anos de funcionamento, caracterizando a população atendida, com o intuito de ressaltar a importância de organizar a rede de atenção em genética médica no país.

Metodologia: Este é um estudo retrospectivo de corte transversal e abordagem quantitativa, desenvolvido após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFSCar. Para análise da casuística, foram revisados os mapas de atendimento de todos os 792 pacientes avaliados no Ambulatório entre junho de 2006 e dezembro de 2018 e extraídas informações sobre: ano do atendimento; idade e sexo do paciente; motivo do encaminhamento; e diagnóstico genético, quando definido.

Resultados: Dentre os 792 pacientes, 48 (6%) eram aparentados. Com relação ao sexo, 397 (50,1%) eram do sexo feminino, 385 (48,6%) do sexo masculino e em 10 situações (1,3%) o sexo não foi possível ser determinado por incompletude de informação. A idade variou entre 5 dias de vida e 79 anos, com predominância de população jovem, até 20 anos (566 pacientes/71,5%). O principal motivo de encaminhamento foi “deficiência intelectual isolada ou com pequenas dismorfias faciais” (207 pacientes/26,1%), seguido de “malformações múltiplas, incluindo ou não deficiência intelectual” (144 pacientes/18,2%). Os resultados evidenciaram a grande diversidade de doenças genéticas, que acometem pessoas em faixas etárias distintas e atingem diferentes órgãos e sistemas. Com relação a resolubilidade do Ambulatório, diagnóstico genético foi definido em 290 pacientes (36,6%), doença genética foi afastada em 153 pacientes (19,3%), 23 pacientes (2,9%) receberam aconselhamento genético para futura descendência e em 326 pacientes (41,2%) um diagnóstico genético não foi definido nem afastado.

Conclusões: A frequência de casos não resolvidos explicita dificuldades inerentes ao diagnóstico clínico genético e barreiras para acesso aos testes genéticos moleculares. A disponibilidade de recursos humanos e material para atendimento em genética é muito desigual nas várias regiões do Brasil. Experiências como a do Ambulatório de Genética Médica de São Carlos mostram os obstáculos de se prestar um serviço de saúde adequado à população, reforçando a necessidade de organizar a rede de atenção em genética no Sistema Único de Saúde, com base na Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras.


Palavras-chave


Genética Médica; Aconselhamento Genético; Doenças Raras; Encaminhamento e Consulta; Pesquisa sobre Serviços de Saúde; Sistema Único de Saúde.

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