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"O corpo exposto à invasão dos sinais": representações da aids em Que sinos dobram por aqueles que morrem como gado?, de Rui Nunes
Giovanni Nilson Rosalino, Jorge Vicente Valentim

Última alteração: 2021-03-18

Resumo


Esta pesquisa objetiva analisar as representações da aidsno romance Que sinos dobram por aqueles que morrem como gado? (1995), do escritor português Rui Nunes, buscando, por um lado, articular as representações dentro de um panorama literário pós-1974 e, por outro, entender tais figurações no contexto de epidemia de aids em Portugal até 1996 (era pré-coquetel). Considerando a aids uma doença predominantemente temporal, tal como postulado por Susan Sontag (1995), em Aids e suas metáforas, e marcada por fases (a do contágio, a dos sintomas e a do agravamento), observa-se, na trama, uma relação angustiante com a passagem do tempo. Assim, interessa-me interrogar se tal associação não dialoga com novas temporalidades articuladas na ficção portuguesa pós-74, não mais históricas e não permitindo a formação e, nem ao menos, a inserção de sujeitos históricos. Não serão temporalidades e sujeitos formados por outras construções, como pela memória, pelo corpo e por outras narrativas, os quais articulam outros tempos, não mais aquele cronológico, microscópico, muito presente no realismo português? Propõe-se, aqui, então, uma leitura dos sujeitos ex-cêntricos (entre estes, o queer português), presentes na obra (em especial o protagonista Pedro), ou seja, daqueles que desconstroem a cultura portuguesa hegemônica (LUGARINHO, 2001), e que, no caso estudado, fazem com que a memória e o corpo sejam usados para trazer temporalidades e historicidades outras, capazes de representar o sofrimento de quem convive com o hiv. No romance, Pedro, protagonista e portador do vírus hiv, tanto escreve um diário (forma como pontua a passagem do tempo), quanto também circula por espaços marginais e por relações asfixiadas, que não fornecem possibilidades, além daquelas enraizadas na cultura portuguesa. Assim, esta pesquisa pretende pensar as representações da aids em seu contexto literário e social, mais especificamente na narrativa e na sociedade portuguesas, a partir do romance de Rui Nunes (1995), sem perder de vista algumas nuances das narrativas oficiais que, ainda nos dias de hoje, marcam os contornos sombrios do estigma daqueles que vivem com o hiv.

 


Palavras-chave


Aids; HIV; Ficção portuguesa contemporânea; Rui Nunes

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