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O PAPEL DA MULHER NAS ATIVIDADES DA AGRICULTURA FAMILIAR: UMA ABORDAGEM EM QUILOMBOS DO VALE DO RIBEIRA-SP
Letícia de Assis Haiala, Helbert Medeiros Prado, Fernando Silveira Franco

Última alteração: 2021-03-18

Resumo


Nas últimas décadas a agricultura familiar perdeu espaçosignificativo para o monopólio da agricultura em larga escala, que utiliza demaquinários e técnicas químicas para produção de alimentos em um formatode monocultura, gerando impactos diretos sobre a agrobiodiversidade eameaçando a existência dos conhecimentos advindos das populaçõestradicionais. A região do Vale do Ribeira escolhida para este estudo érelevante nesse cenário, pois abriga o maior contínuo de Mata Atlânticaexistente, bem como diversas comunidades quilombolas que mantêm aagricultura familiar como principal meio de subsistência, renda e resistênciacultural. O objetivo deste trabalho foi realizar o levantamento doconhecimento prático e teórico sobre o modelo agrícola realizadoespecificamente pelas mulheres das comunidades quilombolas do Vale doRibeira paulista. Foram realizadas três etapas de campo, totalizando 21 diasde atividades nas comunidades de Pedro Cubas e Pedro Cubas de Cima(Eldorado, SP). A pesquisa foi orientada pelo método etnográfico, fazendo usode observação participante, questionários fechados, entrevistassemiestruturadas e entrevistas informais com 10 mulheres selecionadas. Osresultados obtidos mostram que as mulheres apresentam autonomia pararealizar as atividades agrícolas sem a presença de uma figura masculina, eque não existe divisão de tarefas por gênero. Os cultivos são comumenterealizados no quintal, em áreas próximas à residência, conhecidas como“terreiro”, ou em locais mais distanciados e florestados, as chamadas“capuavas” (categoria espacial associada a áreas de cultivo itinerantetradicionalmente empregado na região). Pôde-se registrar que todas as mulheres entrevistadas fazem o uso de insumos químicos no plantio,indicando que o cultivo dos alimentos não é orgânico. Observou-se tambémque algumas adotam o uso de insumos de origem natural, produzidoslocalmente por grande parte das entrevistadas, com receitas e ingredientescaseiros. Estudos já realizados na região, bem como o conteúdo dasentrevistas levantadas, indicam que a atividade de roça era mais comum nopassado. O pouco envolvimento dos jovens nessa atividade também é umapreocupação manifestada entre os mais velhos, por apresentar fragilidade na manutenção e passagem do conhecimento agrícola tradicional.Ao total foi levantado o cultivo de 51 espécies alimentícias plantadas pelasmulheres entrevistadas, sendo as principais feijão, milho, mandioca, arroz,alface, taioba, pupunha e banana. Observou-se a ocorrência de práticasculturais na realização de simpatias e rituais voltados para as atividades deroça, assim como na escolha do solo e fases da lua considerados maisadequados para realizar o manejo e cultivo dos alimentos, mostrando aperserverança dos conhecimentos tradicionais na comunidade. Neste estudo,foi possível evidenciar a profundidade histórica do envolvimento das mulheresquilombolas na prática de roça, bem como a importância dessa atividade navida cotidiana atual das mesmas e para a comunidade. A partir datransmissão dos conhecimentos ancestrais e da realização de diversasatividades voltadas para a sobrevivência e resistência do coletivo, asagricultoras quilombolas exercem um papel fundamental para a manutençãodo conhecimento agrícola tradicional, tanto para a comunidade quilombolaquanto para o contexto do Vale do Ribeira.


Palavras-chave


Agricultura Quilombola. Mulheres Quilombolas. Vale do Ribeira.

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