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O uso do condicional evidencial no gênero "discurso político" no português do Brasil
Flavia Bezerra de Menezes Hirata Vale, Beatriz de Souza Mella

Última alteração: 2021-03-18

Resumo


A evidencialidade marcada pelo condicional, isto é, a forma verbal futuro do pretérito tem sido um tema bastante estudado em línguas como o francês, o português europeu, o espanhol e o italiano. No Português do Brasil (PB), no entanto, os estudos direcionados ao comportamento deste fenômeno são ainda poucos. Lourenço (2016) dedicou-se a descrever as ocorrências desta forma de expressão da evidencialidade em textos do gênero jornalístico, sem, no entanto, comprovar a existência de uma marcação gramatical interna ao sistema verbal para esse uso nesta língua. Assim, este trabalho buscou estender a descrição desse uso no PB a um outro gênero, o discurso político, a fim de verificar se as conclusões alcançadas em Lourenço (2016) são válidas para além do domínio jornalístico e de confirmar a hipótese de que a evidencialidade pode ser considerada uma marca gramatical interna ao sistema verbal do PB, através do morfema do condicional. Sendo este um estudo de gênero textual, na medida em que o aspecto organizacional interno dos gêneros está relacionado ao seu funcionamento sociointerativo, se aproxima de pressupostos funcionalistas. Assim, esta pesquisa guiou-se pela perspectiva teórica funcionalista, descrevendo o condicional com valor evidencial a partir do modelo da Gramática Discursivo Funcional (GDF). De caráter qualitativo, desenvolveu-se a partir de um corpus composto por 250 discursos entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ambos disponíveis online (https://www.camara.leg.br/ e https://www12.senado.leg.br/hpsenado), totalizando 225.345 palavras. O primeiro passo se deu pela coleta dos textos, em sua integridade, tendo sido a escolha feita sem quaisquer critérios de preferência de caráter partidário ou ideológico. As ocorrências do condicional foram encontradas nos textos a partir dos seus sufixos flexionais e, posteriormente, foi feita a seleção daquelas que viabilizavam valor evidencial. Distinguiram-se, portanto, as ocorrências de valor evidencial daquelas que apresentaram uma interpretação estritamente modal ou temporal, as quais foram suprimidas da análise deste trabalho. As ocorrências que veicularam sentido evidencial foram submetidas a uma segunda classificação, baseada na GDF, sendo divididas entre condicionais evidenciais de percepção de evento, dedução, inferência ou reportatividade. O próximo passo foi a realização de testes de substituição, a fim de verificar se outros tempos verbais do modo indicativo são capazes de veicular sentido evidencial como o condicional. Por fim, verificou-se se os pré-requisitos que confirmariam a gramaticalidade do fenômeno se cumpriam em todos os casos postos à análise. Foi possível concluir que as considerações feitas por Lourenço (2016) acerca do condicional evidencial no gênero jornalístico se estendem ao discurso político, ao passo que somente o condicional se mostrou capaz de viabilizar um sentido evidencial para os trechos analisados, e que esse fenômeno pode ser considerado uma marca gramatical interna ao sistema verbal do PB, uma vez que responde aos pré-requisitos necessários para tal, visto que constitui um paradigma de sufixos flexionais; se opõe às formas neutras do indicativo; e não especifica o falante original da informação transmitida  - o que está diretamente ligado ao aspecto subjetivo da linguagem.



Palavras-chave


Condicionalidade, evidencialidade, discurso político

Referências


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