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O conceito de gênero no pensamento de Heleieth Saffioti
Gustavo Guimarães, Sylvia Iasulaitis

Última alteração: 2021-02-25

Resumo


É perceptível um crescimento expressivo da produção científica sobre gênero e feminismo no Brasil. Contribuições originais e profícuos debates têm se dado nas últimas décadas sobre o conceito de gênero, envoltos em profundas disputas teórico-epistemológicas e políticas. Conforme Heleieth Saffioti (2004) reconhece, há uma miríade tão ampla de compreensões quanto a este conceito específico que, genericamente, um possível consenso acadêmico e feminista sobre ele pode-se reduzir tão somente a que, como categoria analítica, “gênero” sublinharia “a construção social do masculino e do feminino”. De acordo com a própria Saffioti, no entanto, essa situação era bem diferente em 1967, quando concluiu sua tese de livre-docência intitulada “A mulher na sociedade de classes: mito e realidade”, orientada por Florestan Fernandes. Por isso, inclusive, Saffioti viria a ser reconhecida como pioneira nos estudos sobre a condição da mulher e acerca das relações de gênero no Brasil (GONÇALVES, 2013; MODDA, 2019; LOVATTO, 2018), elaborando com rigor teórico-metodológico um material que posteriormente seria reivindicado como parte dos primórdios da sistematização de uma teoria feminista brasileira. A autora, porém, ofereceu resistência em adotar o conceito de gênero, o fazendo apenas posteriormente em sua trajetória intelectual e com grandes ressalvas, sempre colocando a necessidade de “complementá-lo” com o de patriarcado (SAFFIOTI, 2004, pp. 117-119; MODDA, 2019), no sentido de instrumentalizá-lo para a descrição, entendimento e subversão de experiências e existências concretas. No entanto, mesmo que a utilização nominal do conceito de gênero tenha acontecido apenas ulteriormente, a compreensão sobre a fundamentação histórico-social das relações entre homens e mulheres perpassa toda a obra da socióloga marxista, com mudanças e permanências no que diz respeito a suas determinações mais particulares. Nesse sentido, este trabalho busca apreender os traços mais essenciais da compreensão de Saffioti a respeito de “gênero”, manuseando suas principais elaborações teóricas a respeito do conceito e relacionando sua teorização com sua perspectiva metodológica, o materialismo histórico. Trata-se de uma pesquisa teórica, que busca analisar um conjunto seleto e restrito de textos relevantes de Saffioti, em momentos distintos de seu desenvolvimento intelectual, e de algumas produções científicas acerca da obra da professora. Será utilizado, primordialmente, um referencial teórico-metodológico marxista, para qual o conhecimento sempre expressa – embora não reflita mecanicamente – um dado contexto material, histórico-social (MARX, ENGELS, 2007) e que compreende teoria como a dinâmica contraditória da realidade concreta projetada idealmente (NETTO, 2011). A hipótese que sustentamos aponta para uma compreensão do conceito de gênero por parte de Saffioti como categoria histórica, para além de analítica, identificando-o como uma “gramática sexual” que regula a totalidade das relações humanas de uma dada sociedade (SAFFIOTI, 2004, p. 45; p. 111) – portanto, bem mais amplo frente ao conceito de patriarcado, que implicaria, necessariamente, hierarquia e dominação –, sempre se preocupando com as formas particulares, históricas e transitórias de manifestação das relações de gênero de acordo com os modos de produção, com diferentes processos históricos, tipos específicos de desenvolvimento, posições particulares na Divisão Internacional do Trabalho e relações com o racismo (GONÇALVES, 2011, p. 122; GONÇALVES, 2013; SAFFIOTI, 2013; MOTTA, 2018).


Palavras-chave


Gênero; pensamento social no Brasil; teoria feminista brasileira; Heleieth Saffioti

Referências


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