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LGBTQ’s e universitários: uma etnografia do sistema classificatório em festas universitárias de uma cidade no interior de São Paulo
joão Otávio Galbieri, jorge leite junior

Última alteração: 2021-02-25

Resumo


Festas IeS é o nome utilizado pelos alunos do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos para identificar os eventos universitários LGBTQ+ que produzem. Opõem-se aos eventos voltados ao público heterossexual da cidade, porém, por vezes, ocupam os mesmos locais que estes. Portanto, ocorrem em repúblicas (casas compartilhadas por estudantes da USP, UFSCar) ou casas de shows. O dinheiro arrecadado pela produção dos eventos é direcionado a produção de curta-metragens dos estudantes. Através dos desenvolvimentos com o campo foi possível identificar sentidos relacionados a sexualidade e gênero. Dessa forma, a partir da perspectiva teórica de autores e autoras pós-estruturalistas, dos estudos queer e interseccionais, buscou-se questionar e desnaturalizar significados e classificações. Os objetivos foram: (1) Compreender o sistema classificatório relacionado às questões de gêneros; (2) Analisar o que torna possível a ascensão desses eventos no mercado de festas; (3) Compreender as classificações agenciadas pelos interlocutores; (4) Analisar as peculiaridades que os movimentos identitários adquirem localmente.

Através da leitura das referências bibliográficas e análise dos dados coletados através da observação-participante e da realização de entrevistas é possível caracterizar determinadas práticas e políticas da cena de festas universitárias LGBTQ+ de São Carlos pelo prisma do progressismo político, ao mesmo tempo, também é possível visualizar a reprodução de desigualdades.

A criação de um espaço seguro para a expressão de sexualidades e gêneros dissidentes, apresentações artísticas envolvendo coletivos da cidade, drag queens; a presença de banheiros unissex, com o intuito de borrar a tradicional divisão sexual dos espaços com base no dualismo masculino/feminino; implementação de grupos de trabalho voltados para redução de danos; desconto para transsexuais, travestis e recebedores de auxílio permanência estudantil, podem ser vistos como fatores progressistas. O valor cobrado pelos ingressos, que podem custar trinta e cinco reais no primeiro lote de eventos em casas de shows da cidade, mesmo com descontos, são um indicativo de classe; a identificação e crítica quanto a predominância de um público homossexual masculino branco, tidos como “um público LGBT padrão” e o agenciamento de distinções baseadas no dualismo ativo/passivo, permitem visualizar a reprodução de desigualdades.

A partir dos dados coletados é possível afirmar que os termos e categorias classificatórias são diversos e agenciados pelos interlocutores situacional e relacionalmente. Assim, as formas de definição quanto a orientação sexual, identidade de gênero, posições de classe são diversas e surgem como elementos relevantes na percepção e experimentação social do espaço. É possível ver então que ter estudado em escola pública antes da universidade, receber algum auxílio de permanência estudantil e/ou se definir como negro/a pode ser algo comum entre as pessoas que trabalham no bar. Que ter estudado em escola particular, não receber auxílio da universidade e se definir branco, pode ser algo comum entre quem trabalha em outras posições, como a do DJ. Contudo, para além destas desigualdades sociais e hierarquias, que parecem ser mais efeito das contradições da sociedade mais ampla, os dados descritos permitem inferir também que há  negociação nestas posições e não apenas determinismos.


Palavras-chave


Festas LGBTQ+; gênero; sexualidade; estudos queer; desigualdade; negociação.

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